quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Distância regulamentar



Então, início da manhã,
Resolvo agradecer
A generosidade daqueles que,
de muitos modos,
Me oferecem
Um laboratório da solidão
Num dia lição de lisura
No vazio
No outro
o franco atirador
de ojerizas
daí, piada racista,
vocativo homofóbico,
enquanto
sem saber não estar só
silenciosamente rogo,

afastem-se.

sábado, 4 de outubro de 2014

Destinatários

Ainda a espera de correspondências
Flores que despontam de portas
Que nada vêem
Delineia mais uma palavra paisagem
mais um aguardo
Entre paredes de carne
E sons

Íntimo sobressalto da seiva

Que a mão jamais alcançará

terça-feira, 22 de julho de 2014

O silêncio da chuva

Falam demais os dias de julho
Entre as melodias das lembranças
E tuas ausências em bocas alheias
E teus cabelos que se vê pelas ruas
E tetos divididos com a dúvida
- e dívidas e dádivas
Os murmúrios da chuva falam demais
São versos sonolentos, encharcados de sonhos

Onde teu nome é silencio e saudade.

sábado, 12 de julho de 2014

Âncora

Saber que se amavam
Calava lavas e dores muitas
Pois que em vozes outras
Deles, minhas, muitas
 Miram serpentes de espelhos
Cacos de vidros d’água
E línguas que conduzem a nada
Presente que escorre
                                     A miúde




sexta-feira, 9 de maio de 2014

Pálida nota

Aquela mulher
toda música
escorrendo chuva
por todas as horas

Aquela mulher
toda musa
aguando jardins
e línguas inglórias

Aquela mulher
estética escusa
lambendo as sílabas
de todos os versos.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Pombos

Um poema não é uma carta
mas parece sempre ter endereço certo
um poema não é uma carta
mas deixa no olho do leitor um deserto

flores de pequenos contornos
são pétalas de lâmina
na memória dos olhos meus
marés de pequenas pernas
navegando entre lixos

D'onde vem a voz do poeta
a cantar desencantadoramente
pras grutas do eterno vazio?

seria carteiro o poeta?
a escrever poemas-carta
da tinta-cinza  de seus cigarros
e ares magros...

pra pequenas...
pequenezas aves de suas histórias sujas?

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Sobre a inveja do lixo

Pois que me faltam pelos cabelos e bocas encarnadas
Me falta a carne que não treme
Pois que me falta a água, a mágoa, salivas e outros fluidos a escorrer pelo chão
Faltam-me ainda contos, lençóis e camas
Falta sempre um pijama – figurino de festa

Falta-me a atitude, coragem, palavra solta
Falta ser cool, Cult bacaninha
E quem sabe assim meio patricinha
A encantar boys e girls desavisados

Faltam cabeças de deuses e deusas
Num figimento de fé
(fé sempre me falta)
Falta um pedaço de mar nos olhos
Falta um retrato meu pintado a óleo

Faltam-me centros e margens como as dela
Falta-me a malandragem como a dela
Faltam as unhas pintadas como as dela
Faltam doces-balas-chicletes como as dela
Faltam vírgulas no meu verso
Como ela

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A Palavra dívida

No fim, só desejo o silêncio
A calmaria, a luz
Se meu caminho não foi de incêndios
Perdoo-me
(ainda que por instantes)
E admito:

Meu coração é sempre chama.



sábado, 15 de fevereiro de 2014

Eu era ruiva no carnaval


E eu sempre retorno às páginas anteriores a ver sangue, suor, sujeira e neuroses. Figuras repetidas, lamaçais, estradas de sapatos trocados. A memória é um calabouço de ilhas a torturar corações e sonos.

E sempre retorno às interrogações – minhas sinuosas cordas vocais. Queria mesmo ser o cara de jeans gasto, jaqueta de couro, óculos escuros, coturnos impiedosos, isqueiro na mão – incendiando a cidade. Rindo do inferno.

E sempre retorno aos medos pois que ele – outro – guardou amores, sonetos e vinte e nove beijos para mil mulheres... mas desembarcou aos meus pés; e confesso: não consigo ficar de pé enquanto essa onda me abraça.



 Outras Sinapses

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Minhas

Porque o poema me faz arder
me faz doer
me respira e expurga
e ao caminhar pela palavras sinto,
arrepiar-me as bochechas e rimas
meus silêncios e meninas.



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Versos de vestido

Lembre-me de me vestir
Das roupas que o pretérito
 Arranca das minhas carnes
E dos dedos que não escreviam versos

Lembre-me dos arquipélagos
 das cirandas que danças
lembre que eu não venero
o que ataca o peito  feito lança

lembre-me de que devo
traçar as linhas de dentro
fazer  tão somente o relevo
de signos que não compreendo

Lembre-me da beleza
Dos silêncios que não contenho
Das feridas que não calam
E dos ritmos da minha’lma